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25 de Abril de 2024

A Quebra da Imparcialidade Como Espécie de Corrupção

Publicado por Wagner Brasil
há 3 anos

Em um Estado Democrático de Direito, como almeja a Constituição Federal, o processo é atrelado a princípios, direitos e garantias inerentes a qualquer cidadão que esteja sendo alvo da persecução penal. Entre vários, um desses direitos é o de ser julgado de forma justa e imparcial, em razão do acolhimento, pela justiça brasileira, do sistema processual penal acusatório.

A imparcialidade é um princípio basilar do processo penal democrático. O direito a uma decisão judicial emanada de um órgão imparcial tem amparo não apenas na legislação interna, mas também no ordenamento internacional, com previsão em diversos tratados de proteção dos direitos humanos ratificados pelo Brasil.

O princípio da imparcialidade deve ser rigidamente seguido em todos os ramos do processo no Brasil. Inobstante o recorte de análise no presente artigo seja voltado para o processo penal, não é exagero dizer que, em qualquer hipótese que exista uma relação processual – contendo juiz e partes –, o julgador deve ser equidistante, entendido como tal aquele que analisa os fatos sem qualquer paixão pessoal, tendência ou interesse que possa prejudicar a entrega de uma justa jurisdição.

De outra sorte, o artigo 317 do Código Penal trata do crime de corrupção passiva. É considerada como conduta criminosa solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida. Além disso, o fato de aceitar promessa de qualquer tipo de vantagem também é considerado crime.

Aqui, a moralidade administrativa é o bem jurídico tutelado, protegendo-se o regular andamento da atividade pública, ferida com o abjeto comércio da função pública.

O sujeito ativo do crime é o funcionário público, sem distinção de classe ou categoria. Por outro lado, o sujeito passivo é o Estado, bem como a pessoa constrangida pelo agente.

Mas aí pode surgir a seguinte indagação: qual a relação entre a (im) parcialidade e o crime de corrupção?

Explico solicitando que todos façam um exercício mental comigo. O que pode levar um juiz que, ab ovo, era imparcial, a tornar-se parcial? Qual a causa geradora da quebra de um princípio senão o recebimento, ainda que indiretamente, de uma vantagem?

No mundo capitalista, ninguém pende para um lado, ou para o outro, sem almejar, ao mínimo, o recebimento de uma vantagem.

Se não em todos os casos, muitas vezes a quebra da imparcialidade está intrinsecamente ligada ao cometimento do crime de corrupção passiva.

Como exemplo qualquer, imagine um juiz de primeiro grau que esteja julgando um sujeito que está no páreo da disputa eleitoral que se aproxima. No início do processo, todo o procedimento é seguido de maneira exemplar. Esse juiz é imparcial e justo.

No decorrer da ação penal, o adversário político dessa pessoa que está sendo julgada, aproxima-se desse suposto juiz. Após trocas de afagos e encontros em aeroportos, esse pré-candidato promete uma vaga no Supremo Tribunal Federal para esse magistrado, caso seja eleito Presidente da República e seu adversário seja eliminado da corrida eleitoral. Então, esse douto julgador aceita essa promessa de vantagem e, quebrando totalmente sua imparcialidade, começa a orientar o órgão acusador na busca das melhores provas e acaba condenando, por fim, aquele sujeito que estava sob julgamento, resultando na suspensão dos direitos políticos do mesmo.

Após as eleições, restando vencedor esse determinado político, o então juiz pede exoneração do seu cargo e, antes da abertura da vaga na Suprema Corte, assume a função de Ministro de Estado desse governo.

Faço um questionamento: o Código Penal confere ao termo “vantagem” um conceito restrito, limitando-se apenas à de natureza patrimonial? De jeito nenhum. A interpretação dessa proposição deve ser extensiva, considerando relevante qualquer espécie de retribuição, ainda que não de natureza econômica, como por exemplo, a sentimental, sexual e até mesmo profissional.

Nesse caso hipotético – jamais aconteceria isso na realidade -, o juiz deve ser responsabilizado apenas processualmente pela quebra da imparcialidade ou deveria também responder pelo crime de corrupção passiva?

O que estou tentando demonstrar é que a quebra da imparcialidade, muitas das vezes, é causada por um interesse obscuro do magistrado em pender para a acusação ou para a defesa. Não há motivos para o comprometimento da equidistância se não houver um incentivo ou um corrompimento mental materializado em uma vantagem, seja para si, seja para outrem, seja diretamente, seja indiretamente.

A corrupção passiva, dessa forma, é gênero da qual a quebra da imparcialidade é espécie. É evidente que existem outras formas de corrupção, mas não podemos desconsiderar essa. Enfim, consoante o conceito de Pessina, lembrado por Bento de Faria, a corrupção passiva é a “prostituição da pureza do cargo pela parcialidade ou pelo interesse”.


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