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1 de Maio de 2024

O Reconhecimento de Pessoas Como Fonte de Injustiças Criminais

Publicado por Wagner Brasil
há 3 anos

O processo penal é um complexo de princípios e normas que tem o objetivo de alcançar a verdade real para a aplicação da lei, seja condenando, seja absolvendo o acusado. Esse procedimento é instruído pelas provas, que nada mais são do que tudo aquilo que contribui para o convencimento do juiz.

O Código de Processo Penal traz um rol exemplificativo de provas que são admissíveis na persecução criminal. À título de exemplo, temos o exame de corpo de delito, a confissão, os documentos, as acareações e etc. Entretanto, existe um meio de prova que é essencialmente curioso e perigoso: o reconhecimento de pessoas.

O reconhecimento de pessoas é um mecanismo que tem por finalidade precípua a identificação de um sujeito através da palavra da vítima ou das testemunhas. Em que pese ser, na teoria, uma interessante forma de se obter a autoria de determinado delito, na prática, tal procedimento tem sido responsável por grandes injustiças.

O art. 226 do Código de Processo Penal rege que quando houver a necessidade de se fazer o reconhecimento de pessoa alguns procedimentos deverão ser seguidos. Inicialmente, a pessoa que tiver de fazer o reconhecimento será convidada a descrever a pessoa que deva ser reconhecida.

Além disso, quando possível, a pessoa, cujo reconhecimento se pretender, será colocada ao lado de outras que com ela tiverem qualquer semelhança, convidando-se quem tiver de fazer o reconhecimento a apontá-la. Se houver razão para recear que a pessoa chamada para o reconhecimento, por efeito de intimidação ou outra influência, não diga a verdade em face da pessoa que deve ser reconhecida, a autoridade providenciará para que esta não veja aquela.

Ademais, se várias forem as pessoas chamadas a efetuar o reconhecimento da pessoa, cada uma fará a prova em separado, evitando-se qualquer comunicação entre elas.

Ao final, será lavrado auto de reconhecimento de maneira bastante detalhada, subscrito pela autoridade, pela pessoa chamada para proceder ao reconhecimento e por duas testemunhas.

Assim sendo, se o procedimento fosse seguido rigidamente, os riscos de um reconhecimento claudicante seriam diminuídos. Entretanto, na prática criminal, percebe-se um total desrespeito à lei.

No curso do inquérito policial e até mesmo durante as audiências criminais, o reconhecimento é feito somente através de fotografias ou imagens de câmeras de segurança, muitas vezes de baixíssima qualidade. Constatamos que o Poder Judiciário tem rasgado o Código de Processo Penal, no tocante à produção de provas, apoiado pelo parecer ministerial.

O reconhecimento de pessoas é um ato que depende exclusivamente da memória. Não se pode olvidar dos perigos que permeiam esse fato, já que a memória está sujeita a distorções oriundas de influências internas e externas. As falsas memórias são recordadas de maneira involuntária e com convicção de que se tratam de informações reais.

Como comprovação do que se afirma, no ano de 2019, o Fantástico realizou o Experimento Testa com estudantes de Direito. Nessa oportunidade, um sujeito entrou em uma sala de aula, de maneira despercebida, e furtou o notebook do professor, tendo, logo em seguida, saído correndo. Após o ocorrido, os acadêmicos foram informados de que se tratava de um teste e que deveriam fazer o reconhecimento daquele indivíduo através de fotografias.

Como resultado do experimento, 73% indicaram erroneamente o responsável pelo crime, enquanto que 27% apontaram com assertividade.

Assim sendo, por meio do Experimento Testa concluiu-se que o reconhecimento de pessoas não é um meio de prova completamente seguro quanto à identificação do autor de determinado crime, em razão da falibilidade da memória humana, pois até mesmo os alunos que tinham total certeza acerca da autoria, foram vítimas de falsas memórias ao indicarem elementos que não existiam.

Além disso, nos Estados Unidos, segundo dados do Innocence Project, as identificações pessoais equivocadas são a principal causa de erros judiciais, presentes em 69% dos casos em que, mediante prova de DNA, obteve-se a revisão de condenações indevidas com posterior declaração de inocência do condenado

Enfim, apesar de ser um meio de prova oficial e possuir um valor significativo, tal procedimento não deve ser utilizado como única fundamentação em uma eventual sentença criminal condenatória, afinal, o reconhecimento pode ter sido realizado mediante distorções naturais da memória em razão do decurso do tempo entre o fato e a realização do ato.

Se o processo penal depender excessivamente de elocubrações, sem considerar o risco que isso pode significar, muitas injustiças poderão ser cometidas.


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